OSTENSIVO EMN-006

APÊNDICE III

RESUMO HISTÓRICO

As origens do Cerimonial da Marinha, isto é, o conjunto de tradições, normas de cortesia, saudações, honras e sinais de respeito em uso nas marinhas de guerra, quer no mar, quer nos estabelecimentos de terra, remontam aos primórdios da navegação organizada.

Tão logo os homens aperfeiçoaram seus meios flutuantes e afastaram-se das águas costeiras, começando a enfrentar o desconhecido, apareceram usos que, transformando-se em tradições, passaram a ser observados a bordo.

Provavelmente, a mais antiga de tais tradições tenha sido a invocação de divindades que protegessem o homem do mar dos múltiplos perigos que poderiam advir àqueles que, propositadamente, saíam do seu elemento próprio, a terra. Por isso, foi natural que houvesse a bordo locais sagrados, onde imagens religiosas eram expostas e reverenciadas. A tolda ou o tombadilho tornaram-se, consuetudinariamente, tais locais, nos quais, também, por lógica aproximação, principiaram a ser colocados os símbolos do poder, bandeiras e estandartes, as “bandeiras de quadra”, isto é, as que tinham seus paus na quadra (ou alheta), de onde, com o correr dos tempos, transferiram-se para o mastro grande. Lembra-nos Pero Vaz de Caminha que, logo no nascimento do Brasil, ao ser rezada, no ilhéu da Coroa Vermelha, a primeira missa, Cabral para lá conduziu “a bandeira de Cristo”, isto é, da Ordem de Cristo, sob cuja égide faziam-se os Descobrimentos. Fora-lhe, sabemos, pessoalmente entregue por El Rei D. Manuel no momento da partida.

Com o surgimento dos pavilhões nacionais, os mesmos, estando os navios fundeados ou atracados, continuaram em local de honra, à popa, ou no mastro principal, quando em viagem. Símbolos da pátria, passaram a ser ali o objeto de respeitosa reverência, traduzida militarmente por cerimonial especial e continência individual.

Outro importante legado da antiguidade é o apito, originalmente utilizado para dar a voga à chusma do remo (os remadores) das galés gregas e romanas e, com a evolução dos navios a vela, para transmitir diferentes ordens de manobra. Antes do surgimento das escalas de portaló e pranchas, os oficiais mais antigos eram içados para bordo sentados numa espécie de “balso de pau”, tendo os cabos alados por “boys” ao silvar de apitos. Com as escadas, o costume caiu em desuso, sendo, no entanto, mantidos, como honras de portaló, os “boys” e os toques de apito.

OSTENSIVO EMN-006

No histórico das origens da Ordenança Geral para o Serviço da Armada (OGSA), foi visto como foram introduzidas, nas primeiras ordenanças, algumas dessas tradições, consolidadas nas “Ordenanzas para el gobierno de la Armada del Mar Oceano” (espanholas, de 1633, quando reinava Felipe IV), utilizadas no comando de esquadras luso-espanholas que vieram ao Brasil tentar a expulsão dos holandeses que haviam invadido o Nordeste.

Foi mostrado, também, que essas ordenanças e “The King's Regulations” (1751) influenciaram o Regimento Provisional português (1796), que esteve em uso na Marinha Imperial brasileira até o surgimento de nossa primeira ordenança, cuja redação foi concluída em 1873, datando a primeira impressão do ano seguinte.

Nelas foram incluídas todas as disposições existentes sobre patentes dos vários comandos, posses, bandeiras e distintivos, honras, salvas, embandeiramentos e outros temas relativos ao cerimonial. Na Ordenança para o Serviço da Armada Brasileira (1910), ligeiramente reformulada em relação às duas anteriores (houve uma, de 1902, da qual não se reconhece qualquer exemplar), os títulos V e VI são especificamente relativos ao cerimonial: “Das bandeiras em geral” e “Das honras, continências, salvas, visitas e embandeiramento”.

Dois anos depois, um jovem oficial, o Primeiro-Tenente Arnaldo do Valle Lins, apresentou à Marinha o trabalho Cerimonial Marítimo Brasileiro, que, tendo recebido parecer favorável do Conselho do Almirantado, foi considerado de “utilidade para a corporação da Armada” pelo Ministro Belford Vieira, sendo impresso no ano seguinte. Dele constaram 14 capítulos, que abordaram desde o “Distintivo dos navios” às “Disposições gerais”, cobrindo essas últimas aspectos não abordados nos capítulos intermediários. No anexo, foi incluída tabela de continências, que havia sido aprovada por decreto daquele mesmo ano.

Em 1932, o Cerimonial Marítimo Brasileiro (estudado e aprovado pelo Conselho do Almirantado) já aparece dividido em quatro títulos, contendo um total de 14 capítulos e 198 artigos, que abrangem desde o uso da Bandeira Nacional ao procedimento com a mesma quando próximo a navios da Armada estiver qualquer navio de guerra com sua bandeira em funeral. Na edição de 1936 (com o mesmo número de títulos e capítulos e menos quatro artigos), os assuntos seguem exatamente a mesma sequência. Em um dos anexos aparece o decreto (1934) que contém as regras relativas às visitas de navios estrangeiros aos portos e águas do Brasil, em tempo de paz.

Que o uso desse Cerimonial Marítimo já era habitual comprova-o o Regulamento de Continências, sinais de respeito, honras e cerimonial militar para o Exército e a Armada que, nas suas versões de 1937 e 1942, ao estabelecer o procedimento para as retribuições de continências à Bandeira Nacional, quando “hasteada... nas adriças dos mastros dos navios”, mandar que se cumpra aquele cerimonial. Isso não obstante, a então mais recente versão da OGSA, aprovada por decreto de 6 de fevereiro de 1942 - quatro dias antes do Regulamento de Continências do mesmo ano - ainda manter no seu bojo os títulos V e VI relativos àquele cerimonial.

Finalmente, alcançamos o ano de 1958 quando, por Decreto nº 43.807, de 27 de maio, foi aprovado o Cerimonial da Marinha do Brasil. No seu artigo segundo (e último), o decreto estabelece que, a partir da data de sua publicação ficavam “revogados todas as disposições, pertinentes à matéria da Ordenança Geral para o Serviço da Armada e de qualquer outro decreto, regulamento, regimento ou ato ministerial”.

O Cerimonial da Marinha do Brasil passou a ser, desde então e acompanhando permanentemente a OGSA, publicação indispensável às atividades cotidianas da nossa Marinha.

EDUARDO BACELLAR LEAL FERREIRA
Almirante de Esquadra
Comandante da Marinha